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segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Em busca do filho perfeito

As preferências de cor e idade justificam porque no Estado existem 220 pretendentes e somente 60 crianças para adoção
por Paola Vasconcelos

No Ceará, existem cerca de 550 crianças e adolescentes vivendo em abrigos sob a proteção do Estado, mas nem todos estão disponíveis para adoção (Foto: Silvana Tarelho)

No Ceará, conforme o Juizado da Infância e Adolescência, existem 220 pessoas cadastradas para a adoção, quando somente 60 crianças estão disponíveis. Num primeiro momento, imagina-se que parte dessa equação - muito mais complexa do que os números que a envolvem - possa estar resolvida. Mas, de fato, não se trata de algo fácil e ultrapassa os limites da razão numérica. Diminuir o vácuo entre os que sonham com um filho e as muitas crianças e adolescentes que esperam por uma família em abrigos é um desafio para o País.

Muitos fatores estão envolvidos no processo de adoção brasileiro. Além da legislação, rígida o suficiente para dar seriedade e segurança à adoção, existe um campo delicado e inviolável onde o Estado não pode entrar, que é a subjetividade das pessoas - homens, mulheres ou casais que querem ter um filho.

“A maior dificuldade do processo de adoção é que os interessados em adotar indicam um perfil de criança que muitas vezes não condiz com a realidade disponível. Esse perfil, na maioria das vezes, refere-se à crianças de zero a dois anos, de cor branca e do sexo feminino”, aponta o coordenador do Juizado da Infância e da Juventude, juiz Suenon Bastos Mota.

Os números do Cadastro Nacional da Adoção (CNA) mostram sem pudores como essa situação é predominante. Dos 11.404 pretendentes a adotar, 80,7% deles querem crianças de até 3 anos. O encontro entre os pretendentes a pais e as 1.624 crianças candidatas a filhos inscritas no cadastro fica cada vez mais difícil, caminhando em paralelas, pelo fato de apenas 66 ter até essa idade. A grande parte dessas crianças que lotam os abrigos brasileiros é formada de adolescentes. São 795 meninos e meninas, quase a metade do total, que têm entre 12 e 17 anos.

No Brasil, onde predomina uma grande miscigenação, 66,5% dos pretendentes não querem crianças negras e assumem preferência por brancas ou pardas.

O juiz Suenon Bastos Mota reconhece que já existem muitos avanços no que diz respeito à abrangência do perfil das crianças, uma vez que está ficando cada vez mais freqüente casos de adoção tardia, quando a criança já tem mais idade, ou ainda com problemas de saúde ou negras, mas ressalta que, infelizmente, ainda não são uma regra. “Estamos com um processo que será aprovado onde um casal cearense está adotando uma criança de mais de sete anos de idade. Isso já é um avanço da sociedade, mas precisamos evoluir mais”, disse.

Conforme ele, no Ceará todo, existem cerca de 550 crianças e adolescentes em abrigos e que não significam que estejam disponíveis para a adoção. Muitas delas estão lá, sob proteção do Estado, por desestrutura familiar, casos de violência, negligência, pais cumprindo pena, entre outros motivos.

A função primordial do abrigo, segundo o juiz, é trabalhar para manter o vínculo familiar. Depois de esgotadas todas as tentativas de retorno para a família, é que a adoção entra como opção”, explicou, ressaltando que a prioridade é sempre da família biológica e que o abrigo na vida de uma criança ou adolescente deve ser uma exceção, com tempo limitado.

O magistrado aponta que a imagem que existe de que pais desistem dos filhos adotados não procede com a realidade e é muito rara. “Grande parte dos casos de adoção são de absoluto sucesso porque o amor de quem adota é incondicional”, disse. A decisão de adotar um filho, conforme o juiz, deve ser antecipada de muito diálogo e maturidade por parte de um casal, porque a ansiedade em ser mãe e pai pode atropelar a compreensão do processo de adoção.

Acostumada com esse universo, pelas visitas, conversas e orientação das famílias pretendentes, a assistente social da Equipe Interdisciplinar de Adoção do Juizado, Maria José Belém, conhece bem essa ansiedade. Ela aponta que um entrave é que os pretendentes idealizam o filho perfeito dentro dos seus padrões e, nem sempre, isso corresponde ao perfil das crianças que estão nos abrigos. “Nas apresentações, a gente percebe claramente quando não houve empatia, tanto da parte de quem quer adotar, por causa do perfil desejado, como também da parte das crianças”. A luta, conforme o coordenador do Juizado, é para quebrar as barreiras do preconceito. “Toda criança tem direito a uma família, seja ela biológica ou escolhida”, finaliza.

RESPALDO DAS DECISÕES JUDICIAIS
Trabalho interdisciplinar é fundamental
O imaginário popular pensa que as decisões relativas à adoção e também à destituição do poder familiar, em casos de violação dos direitos da criança e do adolescente, estão centralizadas somente na figura do juiz, que é quem decide sobre o destino da criança. Na verdade, existem uma série de etapas que são cumpridas e realizadas com rigor até que a guarda para os pais adotivos seja definitiva. É aí onde entra o trabalho da Equipe Interdisciplinar da Adoção, formada por profissionais, como assistentes sociais e psicólogos, que atuam de forma integrada para levar até o juiz a situação psicossocial da criança, família e ambiente onde estão inseridas.

Os profissionais que trabalham na Equipe Interdisciplinar do Juizado da Infância e da Juventude atuam em diferentes vertentes, tanto quando a criança está em situação de violação de direitos e está em processo de destituição do poder familiar ou na outra ponta, quando é encaminhada para adoção pela perda do vínculo com a família.

“São duas situações diferentes, mas muito próximas. O trabalho dos profissionais é muito importante porque eles têm uma visão profunda do universo em que as crianças vivem ou ainda da situação psicossocial da família que quer adotar. São seis assistentes sociais, três psicólogos, uma pedagoga, uma terapeuta ocupacional, além de duas estagiárias de Psicologia e Serviço Social que vão a lugares inimagináveis e mergulham nos problemas para fazer um relatório psicossocial forte que respalde a decisão dos juízes das varas da Infância e da Juventude”, explica a coordenadora da Equipe Interdisciplinar do Juizado, Rosiane Miranda.

Ela destaca que o trabalho começa e termina na família, que é onde está a raiz e a solução dos problemas. A conduta das profissionais, conforme Rosiane Miranda, é sempre voltada para proteção absoluta do direito da criança ou adolescente. “Se a criança chegou até o abrigo, é porque aconteceram coisas seríssimas”, disse.

Existem casos que são tão complexos e envolvem situações delicadas como pais abusadores ou que violentam fisicamente seus filhos, negligência ou ainda quando existe dependência química ou transtorno mental, que, muitas vezes, conforme Rosiane Miranda, o processo torna-se demorado. No entanto, destaca que o importante é que se tente todas as alternativas possíveis para manter a criança com a família biológica ou com parentes responsáveis. “Existindo disponibilidade, essa possibilidade é a melhor opção”, aponta.

Com relação à adoção, a coordenadora destaca que é muito raro um caso que não tenha sucesso e que a questão do tempo de adaptação é fundamental para que a transição seja tranqüila. “Os mais demorados são relativos à busca da criança do perfil desejado”.

FIQUE POR DENTRO
Cadastro Nacional centraliza e desburocratiza a adoção
As listas de crianças que podem ser adotadas e de candidatos a adotá-las existentes nas Varas da Infância e da Juventude de todo o País compõem o Cadastro Nacional de Adoção (CNA), criado em abril deste ano pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) na tentativa de desburocratizar o processo de adoção. O sistema possibilita que pessoas habilitadas possam adotar em qualquer outro lugar do País e não só na sua comarca.

O CNA armazena e fornece dados exatos sobre o números de crianças e adolescentes que estão sob a tutela do Estado para adoção, quantidade e localização de pretendentes habilitados em todas as regiões, perfis completos de adotandos e adotantes. Na medida em que centraliza e cruza informações, o sistema permite a aproximação entre crianças que aguardam por uma família em 6 mil abrigos brasileiros e pessoas de todos os Estados que querem um filho adotivo.

No Ceará, a primeira adoção via Cadastro Nacional foi realizada no início deste mês de novembro, quando um casal de Goiânia adotou Armando, uma criança negra de quatro anos, que foi abandonada pelos pais biológicos há um ano e meio.

Dados do CNJ apontam que, até meados de novembro deste ano, o Cadastro Nacional, que integra os Estados brasileiros, tinha mais de 11,5 mil pais interessados em adotar no Brasil, enquanto que o número de crianças aptas à adoção era cerca de 1,6mil.

PASSO A PASSO
Juizado
Os interessados em adotar um filho devem se dirigir primeiramente ao Juizado da Infância e da Juventude para levar documentação

Perfil
Com os documentos em mãos, preenche cadastro com dados pessoais e perfil do filho desejado

Avaliação
A partir do cadastro, é feita avaliação, com entrevistas e visitas técnicas para tornar-se apto para adoção

Cruzamento
O cadastro dos pretendentes é cruzado com o das crianças disponíveis para adoção no Estado ou País

Apresentação
Se encontrada a criança no perfil, são apresentados, vêem a empatia e daí decidem sobre adoção
Fonte: Diário do Nordeste - 24/11/2008

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